Quase seis meses após a invasão russa à região ucraniana do Donbass, os militares – e
alguns civis – comandados por Zelensky seguem resistindo àquele que é (ou era visto
como) o segundo maior exército do mundo. Também há quase seis meses ouvimos que a
queda da capital Kiev para os russos é apenas questão de tempo, e mesmo contra um
exército maior e supostamente melhor treinando, os ucranianos perseveram.
Desde aquele fatídico 24 de fevereiro, o mundo todo sentiu os severos impactos da guerra.
Os preços subiram, a inflação global não deu trégua e milhares de refugiados buscaram
abrigo noutros países – despertando a maior crise de refúgio na Europa desde o final da
Segunda Grande Guerra. Até agora, as imagens tenebrosas dos civis covardemente mortos
em Bucha assombram a memória daqueles que acompanham o dia a dia do conflito.
Ainda que a economia russa tenha conseguido demonstrar alguns números positivos,
mesmo sendo o país mais sancionado do mundo, tais resultados baseiam-se na alta dos
preços do petróleo e gás. Estima-se que as sanções, a maciça saída de empresas
multinacionais e o crescente desemprego ponham a perder 15 anos de avanços
econômicos para Moscou. Do lado ucraniano, espera-se uma retração econômica de quase
50% – muito em virtude da dificuldade de exportar os itens que estavam lá. Ainda que nas
últimas semanas navios com grãos estejam deixando o país atacado, a economia deve
encolher substancialmente.
O que não se pode precisar, no entanto, não são fatores econômicos: são fatores militares.
Quando a invasão russa começou, analistas diziam que era questão de dias até que os
russos tomassem o país. A defesa ucraniana, que aos poucos foi recebendo armas novas e
modernas dos países ocidentais, prosperou contra um inimigo que demonstrou estar muito
aquém do esperado.
Imagens recentes de soldados russos no Donbass mostram equipamentos militares velhos,
fardamento incompleto e pessoas cansadas e assustadas. Os ucranianos, por outro lado,
movidos seja por patriotismo, instinto de autopreservação ou desejo de vingança, lutam
ferozmente. Muitas vezes, não são nem as tropas e artilharia russa que são diretamente
atacadas, mas suas longas filas de suprimentos. Os drones estadunidenses e turcos, a
propósito, têm sido um desestabilizador para os russos e uma vantagem aos ucranianos.
Os míísseis antinavio dinamarqueses e obuses autopropulsados estadunidenses também
têm impedido a vitória russa.
Nas últimas semanas, houve avanços e retrocessos em ambos os lados, o que impede
especular uma data para o fim do conflito. Há alguns meses, os russos vêm incentivando o
alistamento militar de seus cidadãos em campanhas midiáticas que parecem não dizer a
verdade sobre a real situação das tropas lutando no exterior. Boa parte das agências de
inteligência do mundo questiona o número oficial de mortos e feridos anunciado por
Moscou, apontando como certo que morreram e se feriram 10 vezes mais do que o
divulgado oficialmente.
Nesse estágio da guerra, precisamos olhar além da Ucrânia: a desastrosa visita da
presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan, despertou a
ira dos chineses. Pequim, até então, tem apoiado os russos, ainda que de forma apenas
retórica. Se os desentendimentos com EUA e Taiwan continuarem, os chineses podem
pender em definitivo para o lado dos russos, enviando armas que são tão necessárias às
tropas de Putin nesse momento. Isso sim poderia terminar a guerra em breve – mas não de
forma positiva para os europeus.
*João Alfredo Lopes Nyegray, doutorando em estratégia, é coordenador do curso de
Comércio Exterior e professor de Geopolítica e Negócios Internacionais na
Universidade Positivo (UP).